Projeto Mulheres

Projeto Mulheres

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Existe a sina feminina?

No post anterior (a força do olhar do outro) discorri sobre como a sociedade de Recife pode se tornar bastante vigilante e por isso chegar a ser castradora para a mulher. Como é difícil para as mulheres de lá viverem, nem digo suas próprias verdades, porque acredito que ainda estejamos no caminho de sabermos quais são, mas pelo menos de exercitar a busca por elas de forma livre.

Em São Paulo, por estarmos numa metrópole aberta para o mundo, e com maior dose de individualidade, esse exercício é mais permitido e até valorizado. Óbvio, dentro dos limites de uma sociedade que, como todas, impões valores e crenças por mais variadas que elas possam ser.

Embora Recife receba milhares de turistas todo ano, acredito que o motivo da viagem faz diferença na oxigenação de uma sociedade. As idas a Recife, pelo seu próprio papel de cidade turística, costumam ser para não ficar, para não criar laços. O foco é se divertir e desfrutar. Viver o que não se vive normalmente.

Diferente de uma cidade como São Paulo, na qual as pessoas vem para criar algum tipo de laço, por mais comercial que este possa ser, significa continuidade. Por isso, a forma de interagir é diferente. Ao criar laços, a troca de valores se torna mais ativa e, claro, isto afeta à cidade e sua moral.

Mas o que alimenta a cultura vigilante e moralista sobre a mulher em Recife? Um dos motivos, entendemos hoje, é a pouca ajuda que as mulheres se dão entre si para quebrar o círculo vicioso que as aprisiona.

A impressão que tivemos é que há, de certa forma, a crença de existir uma sina feminina. Entendemos que esta sina diz que 'ser mulher é sofrer'. Que o sofrimento, assim como o sacrifício, faz parte do feminino. Herdeiros que somos da cultura latina, cristã, na qual ser 'boa' é sofrer e que o sofrimento pode 'elevar a alma', seria natural, como é, que essa crença ainda reverbere dentro de nós - todos nós.

O que torna esta crença particularmente vil para a mulher em Recife é a cobrança, mesmo velada, de que isto continue, especialmente pelas  próprias mulheres.

Não deveriam ser as próprias mulheres as que incentivassem a quebra desta 'sina'? Deveria. Mas mesmo com o sofrimento que foi demonstrado, a maioria das mulheres relatou ter tido pouco apoio das mães ou de mulheres relevantes da sua vida.

Pelos relatos obtidos, compreendemos, que em alguns casos,  o motivo é uma raiva contida que se manifesta quando outra mulher é capaz de ter a vida que ela não teve. Em outros casos, é somente a crença forte que é esse o papel da mulher.

Seja qual for o motivo, está claro que a mulher ainda precisa recorrer um bom caminho até exercer o espírito de 'classe' que os homens conseguiram desenvolver. E nisto, há poucas diferenças entre São Paulo e Recife.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A força do olhar do outro

Por viajar ao norte e nordeste como pesquisadora há um bom tempo, não foi surpresa verificar, durante o andamento do Projeto Mulheres, o quanto as mulheres de Recife estão em estágios diferentes das mulheres paulistas. O que mais me surpreendeu foi perceber o quanto crenças latentes relacionadas ao feminino nas mulheres de Recife, ainda reverberam nas paulistas.

Em certos momentos parece que estamos em pontos tão distantes mas quando nos desnudamos de nossas personas, posses e proteções, apresentamo-nos mulheres. Simplesmente mulheres. Tais como as meninas que fomos um dia brincando de roda entre amigas.

Há tanto desejo de falar, de ser ouvida, de ser acolhida nas nossas inseguranças, nossas alegrias e dores que conduzir essas entrevistas nem sempre foi tarefa fácil; precisamos de força para sair do mergulho que a história do outro nos levava.

Vamos refletir sobre as diferenças. Percebemos em Recife um peso maior pela imagem pública, pelo papel social da mulher, aqui contido todos os códigos morais e comportamentais de como seria uma (boa) mulher.  Em toda sociedade existem estes códigos e contribuem para estabelecer os parâmetros de convivência e, claro, o julgamento social dos indivíduos que fazem parte dela. 

O que nos surpreendeu foi a homogeneidade dos códigos que regem o papel feminino em Recife em todas as camadas econômicas (de A1 a C2) e faixas etárias (de 20 a 55 anos) que pesquisamos. Com isto compreendemos a dificuldade e o peso que deve ser 'ousar' ser diferente numa sociedade assim. 

O estereótipo de mulher ideal é bastante concreto e por isso limitado, perdem-se nuances, perdem-se possibilidades de livre expressão. Chega a ser, em muitos casos, castrador.

Lá, a importância de 'o que dirão', faz toda a diferença. É uma censura dissimulada - ou as vezes nem tanto - que permeia todo ato e atitude. Há sempre o olhar de um vizinho, de um amigo ou parente observando, julgando. Tentando enquadrar. Obviamente, é uma sociedade menos individualista, mais agregadora, o que leva as pessoas também a se sentirem mais acolhidas e protegidas, mas o lado sombra disso surge, quando em nome dessa proteção as pessoas interferem umas nas outras desrespeitando individualidades e livre arbítrio.

Quando uma mulher vive uma situação considerada inadequada, a família interfere as vezes como aliada e ajudando, mas outras, o faz julgando e tentando 'corrigir'. A 'falta' desse membro chega a ser coletiva. O que pode explicar a patrulha familiar que se instala em alguns casos.

O que me leva a refletir o porquê a sociedade caminhou para a individualização. A dificuldade de não poder se expressar fora de normas estabelecidas - muitas rígidas - deve ter causado, e aqui eu falo só para manter o raciocínio, em mulheres, uma angústia dilacerante, um desejo de fugir e correr para muito longe, sem parar. Viver sozinha, nesses casos, deve ter sido um alívio.
A minha reflexão caminha para compreender qual é a medida certa entre indicar caminhos, orientar e deixar a liberdade do outro se expressar. O quanto, em quanto mulheres, somos nós mesmas julgadoras das outras? o quanto apoiamos verdadeiramente aquelas que tiveram mais brio para correr atrás do que lhes alegra? o quanto formatamos, literalmente colocamos em formas, os modelos 'adequados' do que é ser mulher?
É bom reconhecer, nestas horas, que Recife pode não estar tão longe de São Paulo.
Publicado originalmente em 13/04/11 no blog: http//euporummundomelhor.blogspot.com

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O Projeto Mulheres

Em outubro de 2010 comecei uma das mais profundas e emocionantes viagens ao universo feminino que já fiz em mais de 20 anos de profissão. A idéia surgiu graças aos desafios que Eudora, a nova empresa do Grupo Boticário, me fez para compreender quem é a mulher hoje e a construção dessa identidade ao longo da história.

Para enriquecer o Projeto convidei minha amiga, Eliete Gomes da Keypeople, conhecedora da natureza humana devido a sua experiência com Desenvolvimento Humano. Queria trazer alguém que tivesse um olhar, além do mercadológico. E deu certo.

Em parceria com Eudora, Firmenich, Givaudan e Symrise criamos um estudo que ao final de um pouco mais de 5 meses, tinha ouvido 90 mulheres e 16 homens em duas cidades: São Paulo e Recife. Foram entrevistas de no mínimo duas horas de duração, num ambiente neutro que permitisse a exposição sincera. Sem filmagens, sem fotografias. Só a entrevistada e suas verdades e nós. Olho no olho.

Entrar no universo feminino com tanta profundidade mexeu profundamente comigo. Mais do que tivesse planejado. Ouvir cada uma destas mulheres, gente comum, me lembrou o filme que representou a estréia de Robert Redford como diretor de cinema, Gente como a Gente.

Atrás de cada pessoa 'comum' uma história peculiar, com todas as tintas que a vida pode dar.  Cada história ouvida trazia alguma parte da minha história como pessoa ou como mulher. Fui resgatando através dessas mulheres, sentimentos, crenças, medos e esperança. Compreende-las me ajudou a compreender-me e tecer a teia que apreende o momento que estamos vivendo como mulheres e como sociedade.

Alguns pontos de reflexão trarei no meu blog pessoal (http://euporummundomelhor.blogspot.com) e os reproduzirei aqui. Espero com isso poder contribuir na reflexão da nossa identidade neste mundo em evolução. 


Publicado originalmente 30/03/11 no blog: eu por um mundo melhor.blogspot.com