Projeto Mulheres

Projeto Mulheres

domingo, 16 de outubro de 2011

A minha diva se foi

Sexta feira foi um dia de grandes emoções, a minha diva, Shirley, pediu a conta e partiu. Mais uma vez vi e vivi o que o Projeto Mulheres trouxe tão claro: o desejo das guerreiras descansar. Chamo Shirley da minha diva porque é uma mulher que admiro e considero maravilhosa. Jovem com quase 30 anos de idade, mãe de 2 filhos casou jovem como tantas mulheres moradoras da periferia de São Paulo. Trabalha desde os 12 anos, lutadora foi construindo sua vida aos poucos. Sem instrução completa encontrou no emprego doméstico o seu ganha pão. Alguns anos atrás o destino lhe pôs a prova, seu marido sofreu um acidente e foi aposentado por invalidez. 

Shirley se viu com dois filhos pequenos e um marido que não podia mais arranjar emprego. Sem ter tempo para sentir pena de si mesma ou entrar em depressão, foi a luta. Ou melhor, foi lutar mais. Guerreira trabalhava o dia inteiro, chegava em casa e ficava até a uma da manhã cuidando da casa para depois acordar as quatro e começar o novo dia. Aos poucos seu marido foi ajudando-a em casa, com os quefazeres, com as crianças. Foi assim que a conheci. Ela buscando um emprego, eu buscando alguém para me ajudar em casa. 

Durante o tempo que contamos com sua ajuda, ela foi uma pessoa especial nas nossas vidas. Sorridente, de bom humor, sempre disponível e atenciosa. Mesmo com sua história, não se colocava no papel de vítima, nem levantava bandeiras. Consciente de sua força, não culpava os outros pelas dificuldades, acreditava que a vida era assim mesmo, e, mesmo assim, valia a pena vivê-la. 

A vida não endureceu a Shirley. É isso foi o melhor exemplo que ela me deu. Empática sempre considerava que havia gente com vida mais difícil do que ela. Guerreira de coração e não no ego, tratava com doçura todas as pessoas.

Na nossa casa encontrou carinho e respeito. O emprego estável trouxe para seu lar tranquilidade e novas ambições. O ano passado junto com o marido decidiu abrir um pequeno comércio que o marido toca durante a semana. No final de semana ela vai para a rua 25 de Março fazer as compras e ajuda também na lojinha. Com isso criaram uma boa estabilidade financeira. A lojinha vai de vento em popa.

A estabilidade foi permitindo que esta guerreira tomasse consciência do seu cansaço, 'cansaço de alma' como diria uma das minhas mestres. E ele veio com tudo, trazendo consigo a dor de anos de luta que só a pausa é capaz de fazer notar.

Agora dá para parar e é o que a nossa Shirley vai fazer. Ela me disse isso chorando, sentida por nos deixar. Mas como não compreendê-la após ter ouvido dezenas de mulheres guerreiras cansadas de lutar? Cansadas de viver o tempo inteiro na energia masculina da ação, sem poder se permitir viver a energia feminina da recepção, do cuidar, do acalentar? Impossível.

Cuidar e cuidar-se, acalentar e acalentar-se exigem pausa, reflexão. E para isso precisamos deixar o estado de alerta, de luta ininterrupta. Quase todas as mulheres que ouvimos anseiam imensamente poder sair do estado constante de alerta, de luta. Mas para isso, acredito eu, precisa haver confiança na vida em primeiro lugar, e para quem tem, confiança no seu companheiro. E essa são duas coisas a Shirley, minha diva, tem. 

Vai Shirley, deixe a energia feminina tomar conta de você e seja feliz! 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Aparência física: opressão ou fortalecimento?

O debate sobre a importância que as mulheres dão à aparência ainda está longe de acabar. A busca, em alguns casos, incessante pela magreza e a beleza, tem levado muitas mulheres a fazerem desatinos colocando em risco sua saúde física, mental, emocional e financeira. Por isso, não é a toa que existam aqueles que considerem a exposição massante nas mídias de mulheres belas, jovens e magras como formas modernas de manipulação social e psicológica de mulheres. Para algumas linhas feministas, tudo orquestrado pelo poder masculino que não se conforma em ter perdido sua majestade.

Sem dúvida, a mídia é exaustiva quando mostra como a beleza de fato conquista sucesso - e aqui considerando o 'sucesso' vendido por ela, aquele que é composto de dinheiro, fama, poder, pessoas bonitas e felizes que nos amam muito. A mídia também diz como essa beleza deve ser, padronizando tipos e estilos, sempre sob o pretexto de nos ajudar a ser 'nós mesmos'.

É evidente que tantas mensagens midiática têm seus efeitos sobre as mulheres e que muitas  entrevistadas no Projeto Mulheres, trouxeram algum tipo angústia relacionada à aparência física. Assim, a busca pela beleza e magreza pode tornar-se, só para dar um exemplo,  mais um check list  a 'ter' que cumprir, na vida de quem tem "mil e uma obrigações", e que não vive o 'discurso igualitário' na vida real. Mal dá tempo para fazer as obrigações prioritárias, e ainda precisa se cuidar fisicamente, sob o risco de ser recriminada socialmente por não representar 'a mulher que se ama', leia-se a mulher moderna.

Porém, foi impressionante constatar que a busca pela beleza - mesmo midiática - ajudou muitas mulheres na últimas décadas a superarem desafios e dores. Significou, em muitos casos, a oportunidade de retomar, iniciando pelo físico, seu tempo, seu corpo, seu espaço, sua vida. Foi através do físico - caminho muitas vezes mais fácil e acessível - que as mulheres foram encontrando novas formas de expressão e de gosto pela vida. Foi no espaço da beleza que muitas  mulheres encontraram outras mulheres e com isso histórias similares e formas de trocas que contribuíram, em muito, para a superação.

E foi também no exercício de se embelezar, que mulheres focadas na sobrevivência financeira ou em se colocar no mundo do trabalho, até pouco tempo atrás, preponderantemente masculino, começaram a lembrar que eram mulheres. Começaram a redescobrir o prazer de se maquiar, de se cuidar, de voltar a ser mulherzinhas. No cuidado com a pele, encontrou o tempo, para parar e fazer sua 'meditação ativa', extraindo desses momentos, mais do que uma beleza física. 


Quem sabe o cuidado com a beleza também pode ter contribuído, de alguma maneira, para que as mulheres decidissem que era hora de parar e ser mãe de novo? São tantos fatores que se entrelaçam que fica difícil definir qual foi a origem do que, e também não existe a pretensão aqui de fazer essa exposição mas sim de mostrar que a beleza tem tido um papel muito importante na retomada do feminino pelas mulheres. 


Mesmo que tenha sido uma pressão social o ponta pé inicial, no exercício da prática, algo talvez adormecido começou a aflorar, aquela mulher mais feminina apareceu e começou a tomar conta de outras dimensões além da beleza, do físico. É só olhar em volta e acompanhar a moda mais floral, com seus vestidos, sejam estes longos ou curtos, exagerando nas rendas, tricot e bordados. Tudo isso, é claro, acompanhado pelos sapatos de plataformas e saltos altíssimos, para nos lembrar que feminina sim, mas poderosa e dona do seu destino, também.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O aspiracional feminino: aparência, poder financeiro e prazer sexual

Perguntamos as nossas entrevistadas o que desejariam ganhar num passe de mágica e as escolhas foram quase unânimes: melhorar a aparência física, ter mais dinheiro e mais prazer sexual. Fica claro, num primeiro momento, que o sonho geral é ser uma mulher poderosa, dona de si e do mundo. Bonita e gostosa, com ampla liberdade para a busca de seu prazer sexual e exercer, sem culpas, o jogo da conquista. Tudo isto, claro, sustentado por um poder de consumo infinito. 


Essa resposta veio tão fácil e quase unânime que se não tivéssemos cuidado, acreditaríamos piamente nela. Por isso decidimos, rever e parar para analisar melhor. Compreendemos assim, que existe uma mulher criada pela mídia que exerce um fascínio sobre a maioria das mulheres. Essa mulher símbolo é aquela 'pós ombreiras' que depois de conquistar o espaço público durante as últimas décadas, já inserida no mercado de trabalho, dividindo ou até sustentando a sua casa e família; agora está querendo cuidar novamente de si, ou seja, voltando-se para si mesma, para seu espaço privado.


Como todo movimento pendular no processo de evolução humana, a volta nunca se é no mesmo nível do ponto anterior. Em cada movimento há um avanço, em cada extremos há aprendizados apreendidos que são elaborados e assimilados levando a mudanças comportamentais. Por isso, nossa mulher símbolo do século XXI mesmo voltando-se para si, não o faz recolhendo-se, buscando sua verdadeira essência na intimidade; ela já conhece o âmbito público e seus códigos, e de tanto apreender a lidar com eles, talvez tenha até se esquecido de ser somente ela. Assim, mesmo sendo um movimento em direção a si mesma,  ela o torna público utilizando códigos externos que lhe garantem o reconhecimento do sucesso da empreitada na sua viagem a si mesma.


Cuidar de sua estética, estar na moda e agora ser uma amante resolvida, são códigos que demostram publicamente que ela se ama e que tem autoestima bem resolvida. Se amar é quase um mantra para a mulher moderna. Não priorizar-se é quase não se amar, o que significa uma ofensa contra todas as mulheres. A cobrança social que as mulheres fazem sobre aquelas que estão menos preocupadas em aparentar tanta autoconfiança é grande. Há quase uma militância feminista que vigia todas nós mulheres, e o pior que muitas vezes nós fazemos parte dela. 


E é aqui que mora o perigo. Percebemos que atrás do discurso de mulher poderosa, muitas mulheres sentiam-se engessadas no molde que elas próprias tinham criado sobre o que é uma mulher feliz e moderna.


É claro que a estética é uma ótima parceira na busca de autoestima, e que a busca pela beleza seja, talvez, o caminho que ajude mais pessoas a reencontrarem sua autoconfiança por exigir pouco, pelo menos num primeiro momento, mexer em questões internas, muitas vezes doloridas demais. Sem dúvida, é um caminho válido para se reconectar consigo mesmo. Incentivá-la só ajuda. A questão é quando ela vira só uma máscara e quando os excessos levam ao sofrimento e a mentira, ou pior, ao autoengano.

Quando o feminino te chama

De repente tive que parar tudo. Foi assim, sem (quase) prévio aviso que fui surpreendida pelo telefonema informando-me que minha mãe tinha sofrido um acidente doméstico. Aos 75 anos, com saúde delicada por outras doenças, quebrar o fêmur e o úmero não eram a melhor notícia que eu pudesse receber.

Parar tudo talvez não fosse o melhor mas era o que meu coração pedia. Como mulher estava vivendo o que ouvi ao longo do Projeto Mulheres: o impulso que temos de absorver e tentar resolver tudo sem abrir mão de nenhuma responsabilidade. Mas decidi que não faria tudo, desta vez não; por isso optei por parar alguns assuntos como este blog, mesmo que isso prejudicasse o fluxo de trocas que estava começando a se instalar. Assim, com fé que o que nos pertence volta quando queremos, decidi puxar meu lado masculino e me focar.

Claro que contei com a compreensão dos meus amados mais próximos, meus colaboradores e meus clientes. Sei que isso deve ter, como sempre, algo de sorte, mas também de busca por esse tipo de parceira.

Óbvio que o período me trouxe várias reflexões aprofundando em mim os efeitos do Projeto Mulheres em mim. Agora de volta, vamos continuar refletindo, sobre as mulheres e o mundo que estamos ajudando a construir?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um dos desdobramentos da sina feminina: a autossuficiência

Gostaria de comentar o quanto a crença de 'ser mulher é sofrer' está, em diversos níveis, presente em nós mulheres.  Em Recife, como comentado no post anterior, foi bastante claro para nós que essa é uma das crenças latente ao ponto de ser evidente e discursado com facilidade por boa parte das entrevistadas. 

Em São Paulo foi diferente. E não porque essa crença não está presente, pelo contrário, mas porque ela se encontra bem mais internalizada e de difícil acesso; mas ela ainda está lá dentro, pulsando forte, dentro de cada mulher que entrevistamos.

As entrevistadas de São Paulo são, sem dúvida, mais autossuficiente e individualizadas. E gostam de se colocar assim. Serem vistas assim. Na medida em que fomos descobrindo suas histórias de vida e suas atitudes perante alguns fatos, compreendemos que muitas fazem um grande esforço para se mostrarem autossuficientes, o tempo todo. Há um vangloriar-se de sua capacidade em fazer tudo sozinha, resolver tudo, de não precisar de ninguém na vida. E claro, de serem muito melhores que os homens. Chega, em alguns casos até não ser natural, tamanha a necessidade de deixar isso claro.

Porque a mulher precisa tanto de demarcar esse território de autossuficiência? a quem ela quer convencer? o que ela quer provar? do que ela tem medo?

Entendemos que um dos motivos - mas tem mais de um - foi a crença 'ser mulher é sofrer' estar presente. E por conta disso, as mulheres tentam negar de alguma forma, aquilo que considera que é ser mulher. E aqui aparece outra questão: o conceito do que entendemos que é ser mulher carrega, e muito, ainda, a associação com submissão, doação sem fim que exaure e faz sofrer. 

A imagem da mulher que sofre é tão forte que a construção da nova mulher se embasa nela, na negação dela. Assim, corremos que nem diabo da cruz, para o extremo oposto. Um exemplo de como essa crença atua em nós é o medo demonstrados por boa parte das entrevistadas na entrega amorosa, de se apaixonar.  Ficam controlando a entrega de seu amor e colocando, constantemente, os limites para o outro. Muitas manifestam que desejam e buscam uma relação igualitária - o sonho dourado da maioria - como se a vida e a relação amorosa, fossem uma balança fiel: contando e cobrando cada comportamento que fazem para que o outro faça no mínimo igual. Em alguns casos, a relação vira um campo de batalha, de cobranças sem fim onde um acha que está 'dando' mais do que o outro. 

Creio que ainda teremos um longo caminho, e aqui as mais jovens estão em vantagem, para construirmos uma mulher que se doa, se entrega e ama sem que o fantasma da 'mulher que sofre' se aproxime dela.

sexta-feira, 13 de maio de 2011


Segunda feira, 16 de maio às 21h horario local, estaremos sendo entrevistadas no programa de rádio mexicano "Las Minervas, Voces de Mujeres Transformando el Mundo" (http://www.habitatunoradio.com/) para falarmos sobre o Projeto Mulheres.

O programa de rádio é conduzido por Isabel  Rimanoczy fundadora da ONG Minervas. (www.minervas.org) uma organização que trabalha para que as mulheres coloquem sua voz em ação. O programa de rádio conta história de mulheres que de alguma forma ajudam e inspiram outras mulheres.


Embora a entrevista será em espanhol, esperamos que gostem!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Existe a sina feminina?

No post anterior (a força do olhar do outro) discorri sobre como a sociedade de Recife pode se tornar bastante vigilante e por isso chegar a ser castradora para a mulher. Como é difícil para as mulheres de lá viverem, nem digo suas próprias verdades, porque acredito que ainda estejamos no caminho de sabermos quais são, mas pelo menos de exercitar a busca por elas de forma livre.

Em São Paulo, por estarmos numa metrópole aberta para o mundo, e com maior dose de individualidade, esse exercício é mais permitido e até valorizado. Óbvio, dentro dos limites de uma sociedade que, como todas, impões valores e crenças por mais variadas que elas possam ser.

Embora Recife receba milhares de turistas todo ano, acredito que o motivo da viagem faz diferença na oxigenação de uma sociedade. As idas a Recife, pelo seu próprio papel de cidade turística, costumam ser para não ficar, para não criar laços. O foco é se divertir e desfrutar. Viver o que não se vive normalmente.

Diferente de uma cidade como São Paulo, na qual as pessoas vem para criar algum tipo de laço, por mais comercial que este possa ser, significa continuidade. Por isso, a forma de interagir é diferente. Ao criar laços, a troca de valores se torna mais ativa e, claro, isto afeta à cidade e sua moral.

Mas o que alimenta a cultura vigilante e moralista sobre a mulher em Recife? Um dos motivos, entendemos hoje, é a pouca ajuda que as mulheres se dão entre si para quebrar o círculo vicioso que as aprisiona.

A impressão que tivemos é que há, de certa forma, a crença de existir uma sina feminina. Entendemos que esta sina diz que 'ser mulher é sofrer'. Que o sofrimento, assim como o sacrifício, faz parte do feminino. Herdeiros que somos da cultura latina, cristã, na qual ser 'boa' é sofrer e que o sofrimento pode 'elevar a alma', seria natural, como é, que essa crença ainda reverbere dentro de nós - todos nós.

O que torna esta crença particularmente vil para a mulher em Recife é a cobrança, mesmo velada, de que isto continue, especialmente pelas  próprias mulheres.

Não deveriam ser as próprias mulheres as que incentivassem a quebra desta 'sina'? Deveria. Mas mesmo com o sofrimento que foi demonstrado, a maioria das mulheres relatou ter tido pouco apoio das mães ou de mulheres relevantes da sua vida.

Pelos relatos obtidos, compreendemos, que em alguns casos,  o motivo é uma raiva contida que se manifesta quando outra mulher é capaz de ter a vida que ela não teve. Em outros casos, é somente a crença forte que é esse o papel da mulher.

Seja qual for o motivo, está claro que a mulher ainda precisa recorrer um bom caminho até exercer o espírito de 'classe' que os homens conseguiram desenvolver. E nisto, há poucas diferenças entre São Paulo e Recife.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A força do olhar do outro

Por viajar ao norte e nordeste como pesquisadora há um bom tempo, não foi surpresa verificar, durante o andamento do Projeto Mulheres, o quanto as mulheres de Recife estão em estágios diferentes das mulheres paulistas. O que mais me surpreendeu foi perceber o quanto crenças latentes relacionadas ao feminino nas mulheres de Recife, ainda reverberam nas paulistas.

Em certos momentos parece que estamos em pontos tão distantes mas quando nos desnudamos de nossas personas, posses e proteções, apresentamo-nos mulheres. Simplesmente mulheres. Tais como as meninas que fomos um dia brincando de roda entre amigas.

Há tanto desejo de falar, de ser ouvida, de ser acolhida nas nossas inseguranças, nossas alegrias e dores que conduzir essas entrevistas nem sempre foi tarefa fácil; precisamos de força para sair do mergulho que a história do outro nos levava.

Vamos refletir sobre as diferenças. Percebemos em Recife um peso maior pela imagem pública, pelo papel social da mulher, aqui contido todos os códigos morais e comportamentais de como seria uma (boa) mulher.  Em toda sociedade existem estes códigos e contribuem para estabelecer os parâmetros de convivência e, claro, o julgamento social dos indivíduos que fazem parte dela. 

O que nos surpreendeu foi a homogeneidade dos códigos que regem o papel feminino em Recife em todas as camadas econômicas (de A1 a C2) e faixas etárias (de 20 a 55 anos) que pesquisamos. Com isto compreendemos a dificuldade e o peso que deve ser 'ousar' ser diferente numa sociedade assim. 

O estereótipo de mulher ideal é bastante concreto e por isso limitado, perdem-se nuances, perdem-se possibilidades de livre expressão. Chega a ser, em muitos casos, castrador.

Lá, a importância de 'o que dirão', faz toda a diferença. É uma censura dissimulada - ou as vezes nem tanto - que permeia todo ato e atitude. Há sempre o olhar de um vizinho, de um amigo ou parente observando, julgando. Tentando enquadrar. Obviamente, é uma sociedade menos individualista, mais agregadora, o que leva as pessoas também a se sentirem mais acolhidas e protegidas, mas o lado sombra disso surge, quando em nome dessa proteção as pessoas interferem umas nas outras desrespeitando individualidades e livre arbítrio.

Quando uma mulher vive uma situação considerada inadequada, a família interfere as vezes como aliada e ajudando, mas outras, o faz julgando e tentando 'corrigir'. A 'falta' desse membro chega a ser coletiva. O que pode explicar a patrulha familiar que se instala em alguns casos.

O que me leva a refletir o porquê a sociedade caminhou para a individualização. A dificuldade de não poder se expressar fora de normas estabelecidas - muitas rígidas - deve ter causado, e aqui eu falo só para manter o raciocínio, em mulheres, uma angústia dilacerante, um desejo de fugir e correr para muito longe, sem parar. Viver sozinha, nesses casos, deve ter sido um alívio.
A minha reflexão caminha para compreender qual é a medida certa entre indicar caminhos, orientar e deixar a liberdade do outro se expressar. O quanto, em quanto mulheres, somos nós mesmas julgadoras das outras? o quanto apoiamos verdadeiramente aquelas que tiveram mais brio para correr atrás do que lhes alegra? o quanto formatamos, literalmente colocamos em formas, os modelos 'adequados' do que é ser mulher?
É bom reconhecer, nestas horas, que Recife pode não estar tão longe de São Paulo.
Publicado originalmente em 13/04/11 no blog: http//euporummundomelhor.blogspot.com

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O Projeto Mulheres

Em outubro de 2010 comecei uma das mais profundas e emocionantes viagens ao universo feminino que já fiz em mais de 20 anos de profissão. A idéia surgiu graças aos desafios que Eudora, a nova empresa do Grupo Boticário, me fez para compreender quem é a mulher hoje e a construção dessa identidade ao longo da história.

Para enriquecer o Projeto convidei minha amiga, Eliete Gomes da Keypeople, conhecedora da natureza humana devido a sua experiência com Desenvolvimento Humano. Queria trazer alguém que tivesse um olhar, além do mercadológico. E deu certo.

Em parceria com Eudora, Firmenich, Givaudan e Symrise criamos um estudo que ao final de um pouco mais de 5 meses, tinha ouvido 90 mulheres e 16 homens em duas cidades: São Paulo e Recife. Foram entrevistas de no mínimo duas horas de duração, num ambiente neutro que permitisse a exposição sincera. Sem filmagens, sem fotografias. Só a entrevistada e suas verdades e nós. Olho no olho.

Entrar no universo feminino com tanta profundidade mexeu profundamente comigo. Mais do que tivesse planejado. Ouvir cada uma destas mulheres, gente comum, me lembrou o filme que representou a estréia de Robert Redford como diretor de cinema, Gente como a Gente.

Atrás de cada pessoa 'comum' uma história peculiar, com todas as tintas que a vida pode dar.  Cada história ouvida trazia alguma parte da minha história como pessoa ou como mulher. Fui resgatando através dessas mulheres, sentimentos, crenças, medos e esperança. Compreende-las me ajudou a compreender-me e tecer a teia que apreende o momento que estamos vivendo como mulheres e como sociedade.

Alguns pontos de reflexão trarei no meu blog pessoal (http://euporummundomelhor.blogspot.com) e os reproduzirei aqui. Espero com isso poder contribuir na reflexão da nossa identidade neste mundo em evolução. 


Publicado originalmente 30/03/11 no blog: eu por um mundo melhor.blogspot.com